Do ferro ao Teflon: uma história cheia de camadas (e químicos)
A frigideira é um dos utensílios mais antigos da culinária humana, presente desde os tempos pré-históricos. Inicialmente feitas de pedra, evoluíram para materiais como ferro, cobre e cerâmica. Durante séculos, as frigideiras de ferro fundido foram protagonistas nas cozinhas, valorizadas pela sua durabilidade e distribuição uniforme do calor. [2]
A verdadeira revolução chegou no século XX, com a invenção do politetrafluoroetileno (PTFE), mais conhecido como Teflon. Descoberto acidentalmente em 1938 pelo químico Roy Plunkett, o material começou a ser usado em utensílios de cozinha na década de 1950, graças à inovação do engenheiro francês Marc Grégoire, que criou a primeira frigideira antiaderente sob a marca Tefal. [8]
O sucesso foi imediato: cozinhar com menos óleo, limpar com mais facilidade e evitar que os alimentos pegassem tornou-se um novo padrão de conforto. Mas essa revolução veio com um custo oculto: os riscos associados aos compostos químicos utilizados na sua produção. [2] [8]
PFAS: os químicos que vieram para ficar (demasiado tempo)
Os PFAS, ou substâncias per- e polifluoroalquiladas, são uma vasta família de compostos sintéticos usados desde os anos 1940, destacando-se pela sua resistência ao calor, à água e à gordura. Estão presentes em produtos tão diversos como frigideiras antiaderentes, tecidos impermeáveis, embalagens de comida, espumas contra incêndios e até cosméticos. [3] [11]
Entre os mais conhecidos está o PFOA (ácido perfluorooctanoico), usado durante anos em revestimentos como o Teflon. Estes compostos são apelidados de “Forever Chemicals” pela sua extrema persistência: não se degradam facilmente, acumulam-se no ambiente e no organismo humano durante anos ou décadas. [3] [9] [11]
A exposição pode ocorrer através de água contaminada, utensílios danificados, alimentos ou contacto com produtos do dia a dia. Uma vez no corpo, tendem a acumular-se no fígado, rins e sangue, podendo causar vários efeitos adversos. [9] [11]
Impactos na Saúde
A exposição contínua aos PFAS tem vindo a ser amplamente estudada nas últimas décadas, com resultados preocupantes. Vários estudos epidemiológicos e laboratoriais têm associado estes compostos a uma série de efeitos adversos para a saúde humana, mesmo em concentrações relativamente baixas e em exposições prolongadas. [9] [11]
Entre os principais efeitos identificados, destacam-se: [11]
- Alterações no sistema imunológico, incluindo a diminuição da resposta imunitária a vacinas;
- Doenças hepáticas e renais, com evidência de alterações nas enzimas hepáticas e função renal comprometida;
- Disfunções hormonais, afetando o funcionamento da tiroide e o equilíbrio endócrino;
- Redução da fertilidade e efeitos no desenvolvimento fetal e infantil;
- Aumento do risco de certos tipos de cancro, como o cancro dos rins e dos testículos;
- Alterações no colesterol e risco cardiovascular elevado.
Um relatório recente da Agência Europeia do Ambiente (EEA) revela que uma proporção significativa de adolescentes europeus já apresenta níveis de PFAS no sangue superiores aos valores de referência para a saúde humana. Este dado é particularmente alarmante, pois sugere uma exposição precoce e contínua a substâncias cuja acumulação no organismo pode causar danos a longo prazo. [9]
Muitos destes efeitos estão relacionados com a natureza persistente dos PFAS, que não são metabolizados facilmente e tendem a acumular-se ao longo dos anos, com potencial para causar efeitos crónicos mesmo após cessada a exposição. [9] [11]
Consequências Ambientais
Os PFAS não são apenas uma ameaça silenciosa à saúde humana, estes representam também um dos maiores desafios ambientais da atualidade. A sua estrutura química extremamente estável faz com que não se decomponham naturalmente, nem por ação de microrganismos, nem por exposição à luz solar ou calor. Por isso, uma vez libertados para o ambiente, estes compostos persistem durante décadas ou séculos, acumulando-se nos ecossistemas. [3] [11]
Foram já detetados em locais remotos, como o gelo do Ártico, o fundo dos oceanos e até na água da chuva em zonas consideradas “pristine” (sem atividade industrial direta). Essa ubiquidade deve-se à facilidade com que se dispersam pelo ar, solo e água, e ao facto de serem utilizados em produtos que acabam descartados sem controlo adequado. [9]
Removê-los do ambiente é tecnicamente difícil e economicamente oneroso. A sua presença desafia metas de sustentabilidade e poluição zero da União Europeia. [3] [9]
Alternativas
Devido às preocupações associadas aos compostos PFAS presentes em muitos revestimentos antiaderentes, é importante considerar opções mais seguras para o uso diário na cozinha. [1]
- Frigideiras de Ferro Fundido - O ferro fundido é uma escolha duradoura e segura. Quando devidamente temperado, oferece uma superfície naturalmente antiaderente. Além disso, pode contribuir com pequenas quantidades de ferro na dieta, o que é benéfico para a saúde. [4] [6]
- Frigideiras de Aço Inoxidável - O aço inoxidável é resistente, não reativo e livre de químicos nocivos. Embora não seja naturalmente antiaderente, técnicas adequadas de aquecimento e o uso de gorduras saudáveis podem minimizar a aderência dos alimentos. [6] [10]
- Frigideiras com Revestimento Cerâmico - As frigideiras com revestimento cerâmico são livres de PFAS e oferecem uma superfície antiaderente eficaz. São ideais para cozinhar com menos óleo e são consideradas uma alternativa segura às tradicionais frigideiras antiaderentes. [1] [6]
- Frigideiras de Vidro Temperado - Embora menos comuns, as frigideiras de vidro são completamente livres de químicos e não reativas. São ideais para preparações que requerem monitorização visual, como molhos e reduções. [6]
- Frigideiras de Titânio - O titânio é leve, resistente à corrosão e não reativo. Algumas frigideiras combinam titânio com outros materiais para melhorar a distribuição de calor e a durabilidade, oferecendo uma opção segura e eficaz. [6]
Comparar para escolher melhor
Para ajudar na escolha de alternativas mais seguras, apresentamos abaixo uma comparação visual entre os principais tipos de frigideiras, com base em quatro critérios: antiaderência, segurança química, limpeza e durabilidade (gráfico 1)
Gráfico 1: Comparação percentual entre diferentes tipos de frigideiras, incluindo as antiaderentes com PFAS. A avaliação teve por base quatro critérios qualitativos: antiaderência natural, segurança química, facilidade de limpeza e durabilidade. Os dados foram interpretados a partir de fontes, com pontuações médias convertidas em percentagens para facilitar a leitura comparativa. [1] [4] [6] [7] [10]
O fim (ou o começo) de uma era antiaderente
As frigideiras antiaderentes revolucionaram a forma como cozinhamos, oferecendo conveniência, rapidez e facilidade de limpeza. No entanto, essa revolução veio com um custo oculto: a exposição contínua a compostos químicos sintéticos, como os PFAS, que podem comprometer tanto a nossa saúde como a do planeta. [3] [11]
A informação é a nossa principal ferramenta e saber o que há por trás do brilho de uma superfície antiaderente pode levar-nos a fazer escolhas mais conscientes. A boa notícia é que existem alternativas seguras, que não representam os mesmos riscos para o corpo nem para os ecossistemas. [1] [6]
Ao mesmo tempo, é fundamental que os consumidores apoiem políticas públicas que regulem ou eliminem progressivamente o uso de PFAS em produtos de uso diário. A pressão popular e a consciencialização têm sido motores importantes para que a União Europeia avance com restrições mais severas. [9]
Referências
- Best Frying Pans If You Want to Avoid PFAS Chemicals. (2022, October 26). Consumer Reports. https://www.consumerreports.org/homegarden/cookware/best-frying-pans-if-you-want-to-avoid-pfas-chemicalsa1006253549/
- dos, C. (2005, September 15). Frigideira. Wikipedia.org; Fundação Wikimedia, Inc. https://pt.wikipedia.org/wiki/Frigideira
- European Chemicals Agency. (n.d.). Substâncias perfluoroalquiladas (PFAS) -ECHA. Echa.europa.eu. https://echa.europa.eu/pt/hot-topics/perfluoroalkylchemicals-pfas
- https://www.facebook.com/seriouseats. (2024). Essential Pots and Pans: The Cookware Every Kitchen Needs. Serious Eats. https://www.seriouseats.com/giftguide-essential-pots-and-pans-presents-for-home-cooks
- https://www.howstuffworks.com/hsw-contact.htm. (2008, December 30). How Nonstick Cookware Works. HowStuffWorks. https://home.howstuffworks.com/nonstick-cookware1.htm
- Klein, L. (2024, September 10). Discover the 8 Best Non-Toxic Cookware Sets of 2025, tested for safety, durability, and performance. Find PFAS-free ceramic, stainless steel, and cast iron options. #HealthyCooking #NonToxicCookware #CleanCooking. Organic Authority. https://www.organicauthority.com/organicfood-recipes/non-toxic-cookware-brands
- Monaco, L. L. K. and E. (n.d.). The Best Non-Toxic Cookware Brands for 2022, Tested. Organic Authority. https://www.organicauthority.com/organic-foodrecipes/non-toxic-cookware-brands-to-keep-chemicals-out-of-your-food
- Politetrafluoretileno. (2020, July 8). Wikipedia. https://pt.wikipedia.org/wiki/Politetrafluoretileno
- Risks of PFAS for human health in Europe (Signal). (2024, April 16). Europa.eu. https://www.eea.europa.eu/en/european-zero-pollutiondashboards/ indicators/risk-of-pfas-in-humans